Descobri o meu País

Subi a montanha
e no seu topo os anjos me cercaram
e me engrinaldaram a fronte
com as flores do céu.
Asas zumbiam
em harmonias fragílimas
e vozes de arcanjos louvavam a paz.
Derramaram sobre meu corpo
sete bálsamos purificadores
e fizeram-me beber
ambrosia e mel.
Banharam-me no rio da música
e eu saí ingênua
como o canto de uma criança.
E depois surgiram novos anjos
e não havia noite
e não havia dia.
E a ambrosia e o néctar
deslizavam com fartura celestial.
E novas canções se entoaram
sempre em louvor a Deus.
E não havia noite
e não havia dia.
E aos poucos cresceu dentro de mim
o desespero
e eu busquei em vão os olhos celestiais.
Eles nada diziam
e cantavam a paz.
E aos poucos uma nostalgia
me enlanguesceu
e eu era o arco distendido
sem a flecha
e eu buscava o ar
sem respirar.
Um anjo me interrogou: mais néctar?
Eu gritei: quero cheiro da terra!
E o anjo me perdoou
E eu cansei de ser perdoada,
eu queria sofrer.
E não havia noite e não havia…
Quebrei minhas asas,
desci a montanha
e vivi na Terra!

LISPECTOR, Clarice. Descobri o meu país – Por Robert Marinho

Desvendando um pouco desta obra literária.

O eu poético sobe até o topo de uma montanha e se depara com o paraíso. Lá existem an­jos, louvores, néctar e a ausência de tempo, mas em vez de sentir-se bem, ele se sente aprisionado. Há um desejo humano de viver o mundo físico com suas imperfeições. Ele rejeita a perfeição da eternidade e pede a experiência humana — falhas, limitações, dor e história. Ele que sentir as tensões exclusivas deste mundo.

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